Entrando numa fria
Jogo virtual animado por pinguins estimula o consumo infantil

Renata Cabral

TROCA No Club Penguin, os pontos ganhos são transformados em moedas

Uma cidade virtual cheia de pinguins simpáticos e desajeitados está deixando crianças eufóricas e colocando os pais numa "gelada". O jogo Club Penguin, da Walt Disney, lembra o adulto Second life no exercício da interatividade. Mas, no site dos pinguins, ambiciona-se comprar iglus, decoração para o seu interior, roupas e até espaço vip em eventos e festas. Pode-se brincar de graça, mas a navegação é bem limitada.

A versão completa do jogo, e paga, é que é legal: tem festas e catálogos com produtos restritos para quem desembolsa, no cartão de crédito, R$ 8,90 por mês. Quem não assina, recebe mensagens interditando a entrada em determinadas áreas e convive com a frustração de não ter os mesmos privilégios. Mas não é no valor da mensalidade que o dinheiro escoa e sim na compra de acessórios e produtos. Como se vê, atrás da figura carismática do pinguim, há um negócio rentável e um aprendizado capitalista.

"Infelizmente, esse é o modelo que mais se vê no mundo virtual: eles jogam a isca e depois cobram", constata a designer e antropóloga carioca Zoy Anastassakis, 35 anos, que cedeu aos apelos da filha Mina, 7 anos, e fez uma assinatura do Club Penguin. Há poucas semanas, sua casa foi palco de uma crise que a assustou. Uma colega da filha caiu em prantos porque o pinguim dela estava "pelado", como disse. A menina revoltou-se contra a mãe que não tinha lhe dado, ainda, o pacote de mensalidade. "O jogo tem seus méritos, é bastante criativo e engraçado", avalia a psicanalista Lulli Milman, do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. "Mas acenar com uma ilusão, uma amostra de algo que a criança talvez não possa ter, é algo nefasto."

MEU MUNDO É UM IGLU As amigas Victoria e Renata brincam com os puffles, bichos de estimação dos pinguins. Antonio prefere colecionar exemplares

O sucesso do jogo, voltado para crianças de 6 a 14 anos, é tão grande no Brasil que o Club ganhou, em novembro, uma versão em português, graças a uma intensa campanha dos usuários brasileiros, que somavam meio milhão na ocasião. Um deles é o carioca Antonio Pedro, 11 anos, que tem uma coleção de 16 pinguins originais (que custam cerca de US$ 10 cada). O pai, o designer de interiores carioca Leonardo de Magalhães Pinto, 41 anos, controla o tempo que o filho passa plugado, mas aprova a brincadeira. "Não acho caro e me pareceu inofensivo", disse.

Os criadores defendem a criatura. "Damos a eles um lugar para aprender e praticar a administração do dinheiro, onde uma decisão mal tomada não tem uma repercussão tão rígida quanto no mundo real", justifica o canadense Lane Merrifield, vicepresidente- executivo da Disney Online Studios. Para a psicóloga Andréa Jotta, do núcleo de pesquisas de psicologia em informática da PUC-SP, esse contato precoce só será benéfico se bem orientado.

"Essa dinâmica pode ter um lado bom, desde que a criança compreenda que, quanto mais se esforça, mais ganha. O problema é se ela não aceitar parar de ganhar", alerta. As amigas Victoria Borda e Renata Ávila, 11 anos, batalharam em casa até convencer os pais de que a assinatura valia a pena. "Mas não compro os brinquedos extras para não instigar o consumismo", diz a mãe de Renata, a contadora carioca Denise Ávila. Estimular o consumo entre crianças é mesmo arriscado, explica a professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Leila Tardivo. "Que tipo de moral se está oferecendo? A de quem tem mais pode mais?" Eis a questão.





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